A Nova Aventura de Dorothy

em segunda-feira, 2 de julho de 2012



Certa vez, no primeiro ano do ensino médio, nossa professora pediu um trabalho de redação em grupo que consistia em atualizar contos de fadas e incluir neles novos personagens, a saber, os membros do grupo.
Cada grupo tinha 5 ou 6 alunos, e a escolha do conto era livre. Não foi surpresa que entre as quatro turmas de primeiro ano de 2005 tenham sido feitas várias versões de Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e A Bela Adormecida.
Tentando fugir do óbvio, a primeira escolha do meu grupo foi Peter Pan. Depois, não me lembro porquê, mudamos para O Mágico de Oz.
Fizemos um pequeno debate para decidir o que mudaria na história para torná-la mais atual. Nós anotamos as ideias de todo mundo e combinamos que cada um escreveria sua versão da história. Depois o grupo escolheria a melhor para o trabalho, ou as melhores partes de cada uma e juntaria tudo para construir a história oficial.
Mas como apenas eu cumpri a tarefa, o grupo decidiu usar a minha versão no trabalho.
Naquela época eu já me aventurava a escrever – ou tentar escrever – livros, ainda que capenga. Como dizem os profissionais literários, escrever bem requer prática – e eu acrescento o constante exercício da leitura, que inspira, molda e prepara o cérebro do escritor.
Recentemente, enquanto reorganizava os arquivos no meu computador, eu encontrei o texto do trabalho, e após conferir os evidentes erros de sintaxe e gramática, me satisfiz em ver que, de modo geral, a ideia era boa, ainda que mal desenvolvida. Então decidi reescrever, só por diversão. Mas por que reescrever e deixar só no computador?
Espero que gostem.

*O meu nome e dos membros do grupo foram alterados nesta versão reescrita e os novos personagens são:
David, o policial
Alexia, namorada do Homem de Lata
Penélope, assessora e melhor amiga de Dorothy
Mona, assistente do Mágico
Melanie Morris, atriz de cinema
Tamara, cirurgiã plástica

Chamei esta versão:

A Nova Aventura de Dorothy




Meu nome é Dorothy, e sou uma grande estrela do pop. Verdade é que existem estrelas maiores que eu, mas aposto que nenhuma delas tem uma história tão fascinante para contar.
Nasci no Kansas, em meio à pradaria cinzenta. Meus pais morreram quando eu tinha dez anos, e desde então vivi com meus tios Henry e Ema numa casinha minúscula longe de tudo e de todos.
Mas depois da passagem de um tornado há um ano, minha vida mudou completamente.
Como eu disse, a casa onde morávamos ficava no meio do nada, de modo que, um homem que vinha pela estrada em seu carro, percebendo que não escaparia da tempestade, parou e nos pediu abrigo.
Já era quase noite, e o carro dele havia sido arremessado do outro lado da estrada pelo tornado, então ele só poderia seguir viagem a pé no dia seguinte.
Ele ceou conosco e no fim da noite, como de costume, sentamo-nos todos na varanda por algum tempo. Eu peguei o violão e comecei a cantar as canções de sempre para os meus tios. Aquela parecia ser a única coisa capaz de fazer tia Ema sorrir.
Então aquele homem disse que eu tinha uma bela voz, e nos contou que era produtor de uma grande gravadora de Los Angeles, e me convidou a ir com ele para a Califórnia gravar um CD demo.
Logo minha música estava em todas as rádios, e o meu primeiro álbum vendeu mais que pinheiros de natal em dezembro.
Eu não poderia estar mais feliz. Exceto que, como cantora, ainda havia um sonho a realizar. O mesmo sonho de quase todos os artistas do ramo: se apresentar no palco de Oz, a maior casa de shows do mundo.
Quando meu empresário me disse que tinha agendado o show, eu nem consegui acreditar!
Mas foi então que tudo aconteceu, e por muito pouco, o show com que eu tanto sonhei não teve que ser cancelado.
Eu não morava mais no Kansas, nem meus tios moravam lá. Eu os tinha levado comigo para Los Angeles, mas quando minha carreira explodiu nos mudamos para Nova York.
Por todo o país contava-se a história de que fui carregada por um tornado do Kansas até Los Angeles, e que a minha voz ecoou desde o interior do tornado por toda a cidade, até que ele me deixou às portas da Star FM, uma grande emissora de rádio no centro de Hollywood.
Eu sei, parece loucura, não é? Mas se o pessoal da publicidade achou que isso faria bem à minha imagem, quem sou eu para discordar! Afinal, não era exatamente mentira, foi mesmo um tornado o que me levou aos palcos; não exatamente como contaram, mas, quem se importa? A história é boa de qualquer modo.
Bem, eu parti de Nova York para Los Angeles em meu helicóptero no dia do show. Ao meu lado, o piloto particular, Anthony Thomas, ou como eu prefiro chamá-lo, Totó. E eu não admito que façam especulações acerca da origem deste apelido, até porque é bem óbvio: Anthony Thomas, Tony Thomas, To-Tó! Para desalento de quem imaginou qualquer razão mais ordinária.
Cruzamos o país sem contratempos, porém, quando sobrevoamos Los Angeles, surgiu um problema em uma das hélices. Totó me pediu para ficar calma e disse que ia tentar um pouso de emergência.
Los Angeles estava coberta por uma densa neblina naquela tarde, de modo que era muito difícil distinguir qualquer coisa. Quando ele fez a primeira tentativa de pouso no primeiro heliporto que encontrou, por causa da nebulosidade, bateu numa mureta de concreto antes de descer ao topo do prédio escolhido, e esta arrancou as pás que serviam de base ao helicóptero.
Não olhei para trás, nem seria possível, mas não era difícil imaginar que a mureta onde o helicóptero bateu pertencia a outro prédio que nós não vimos.
Ele fez outra tentativa ao dar a volta, e anunciou, quase com orgulho, que tínhamos pouco combustível. Na hora eu não entendi; só depois ele me explicou que um pouso de barriga poderia explodir o helicóptero se tivesse combustível.
O pouso naquele prédio parecia impossível com a neblina, então Totó baixou um pouco e eu pensei que ele tivesse visto um prédio mais baixo com heliporto. Foi só quando me atrevi a olhar no rosto dele que percebi o que ele não quis me dizer: estávamos caindo... em plena avenida!
Eu fechei os olhos e me pus a rezar, pensando que de fato tivesse chegado o nosso fim, lamentando somente não ter feito o show com que tanto sonhei, quando de repente senti um impacto violento, mas não o bastante para nos matar.
Foi um grande alívio abrir os olhos e constatar que tínhamos aterrissado, numa posição bastante estranha, inclinados, como se houvesse algo embaixo do helicóptero. Pensei que fosse uma das pás que tivesse ficado presa e entortado no pouso – ou na queda, ainda não sei ao certo.
Totó e eu saímos do helicóptero aliviados por estarmos vivos. Tínhamos literalmente parado o trânsito da principal Avenida de Hollywood, e uma multidão se juntava para ver o estrago. Duas viaturas estavam paradas bem perto de nós, e os policiais nos encaravam com uma expressão chocada.
Quando um dos policiais, na verdade uma mulher, se aproximou e nos cumprimentou, senti um arrepio na espinha, pensando que ela nos levaria para o distrito, e isso atrasaria ou impediria o meu show.
_Em nome de todo o povo da Califórnia, quero lhes agradecer... – ela disse.
A mesma dúvida passou pelo meu rosto e pelo de Totó ao mesmo tempo.
_Nos agradecer... Pelo quê? – perguntei.
_Há meses nós perseguíamos Martha Owens, mais conhecida como Bruxa do Leste, e hoje a perseguição chegou ao fim.
Totó e eu nos entreolhamos confusos.
_Bruxa do Leste? – perguntei. – O que é isso? Caímos por acaso num conto de fadas?
_Ela era conhecida por este apelido porque veio desde o leste do Estado nos últimos dois meses – explicou a policial –, envenenando hoteleiros com uma substância ainda não identificada, possivelmente um preparado desenvolvido por ela, sabe-se lá com que tipo de coisa, e saqueando suas caixas registradoras e cofres. Todas as forças policiais do Estado estão envolvidas no caso. Nós a perseguíamos de perto em nossas viaturas quando seu helicóptero caiu sobre a motocicleta que ela pilotava.
Eu me virei devagar, e então vi porque o helicóptero estava inclinado. Debaixo da estrutura metálica, tudo o que se podia ver eram os pés calçados com sapatos caros. A moto estava caída alguns metros à frente. Com o impacto, a bolsa ou os bolsos da jaqueta lançaram para fora vários objetos que estavam agora jogados por toda parte na avenida: um canivete, um revólver pequeno – trinta e oito milímetros, se não me engano; era igual ao que o tio Henry levava no cinto quando ia recolher os animais ao celeiro no meio da madrugada de inverno –, um vidro marrom quebrado sobre a poça de um líquido verde como absinto, possivelmente o veneno de que falaram, e o telefone celular prateado.
_Foi um acidente – desculpou-se Totó.
_Não importa – disse a policial. – O povo de Los Angeles é grato a vocês.
Neste momento uma campainha soou pausadamente no chão, a alguns metros do helicóptero. A policial pegou o celular da Bruxa e olhou no visor:
OESTE.
Clicou ATENDER e encostou o telefone no ouvido.
_Onde você se meteu? – perguntou uma voz de mulher do outro lado da linha. – Eu estou te esperando há uma hora!
A policial reconheceu imediatamente a voz de Geena Owens, a assassina conhecida como Bruxa do Oeste, cúmplice da assassina que agora estava morta embaixo do helicóptero.
A policial tentou fazer sua voz ficar parecida com a da Bruxa do Leste, para conseguir a localização da outra assassina, mas ela desligou rapidamente, talvez depois de ter percebido que não era a parceira quem lhe falava ao telefone.
De súbito, ouvimos um barulho altíssimo, como uma explosão ou um tiro de arma pesada e grande, e os vidros do helicóptero se quebraram.
A policial se aproximou enquanto os outros policiais lhe davam cobertura, preparados para o caso de o atirador atacar novamente. Eu me encolhi e agarrei o braço de Totó, assustada.
_Os controles estão destruídos, e o buraco no painel tem o formato da cabeça de um lobo – disse a policial aos seus companheiros.
_Foi ela – concluiu um policial, à frente dos demais. – Ainda vamos descobrir como ela faz isso.
_Receio que não – disse a policial.
O celular da Bruxa do Leste tocou mais uma vez, uma campainha dupla e breve. A policial verificou a tela.
“Você tem uma nova mensagem de texto”.
Clicou em LER.
“Desgraçados! Vocês mataram a minha irmã, agora eu vou matar vocês!”
A policial nos fitou por um segundo e se voltou para os policiais.
_Ela pode nos ver, está bem perto – disse. – Façam uma busca minuciosa nos arredores e peçam reforços.
A policial abriu a tampa da bateria do celular da Bruxa do Leste e inseriu um pequeno chip. Em seguida se dirigiu a nós, que permanecíamos assustados, junto de alguns policiais, até então, sem saber o que estava acontecendo.
_Eu não quero assustar vocês – começou a policial –, mas há outra assassina na cidade, comparsa desta; a Bruxa do Oeste. Ela viu vocês e sabe que mataram a irmã dela.
De repente me senti nauseada de medo.
_Vamos levá-los para um lugar seguro, e cuidar para que nada lhes aconteça – prosseguiu.
_Eu não posso – protestei. – Eu vou me apresentar em Oz, não posso decepcionar os meus fãs.
_Eu já lhe havia reconhecido – disse a policial. – Dorothy Tornado...
_Sim.
_Bem, Oz fica na Avenida das Esmeraldas. Não é muito longe daqui. Vou pedir a um dos agentes que os acompanhe, mas quero que fiquem atentos. À menor atitude suspeita, interrompa o show! Nós estaremos por perto.
Assenti com a cabeça, concordando. A policial me estendeu o celular da Bruxa do Leste.
_Coloquei um rastreador GPS neste aparelho, então sempre vamos saber onde você está. Se a Bruxa do Oeste fizer contato, avise-nos imediatamente. – E me estendeu seu cartão.
_FBI?! – surpreendi-me.
_Sim. Meu codinome nesta operação é “Fada do Norte”. Parece que alguém achou engraçado que as Bruxas fossem perseguidas por Fadas... – Fez uma careta ao pronunciar este comentário. – Enfim, caso eu não possa ajudá-los, enviarei minha parceira, a “Fada do Sul”.
_Certo – assenti, sentindo-me perdida num livro infantil.
A Fada do Norte chamou David, um dos agentes que estava com eles, e mandou que nos escoltasse até Oz.
Entramos na viatura e seguimos por uma avenida de prédios amarelos. Confesso que estava muito nervosa com tudo o que havia acontecido, e temia que a morte da Bruxa do Leste e a perseguição da Bruxa do Oeste estragassem meu show. Tinha sonhado tanto com a apresentação em Oz, e agora meu sonho estava se tornando um pesadelo.
De repente David pisou no freio e a viatura se deteve com um tranco violento. Como conjurado pelos meus pensamentos, um rosto deformado se chocou contra o para-brisa. Dois olhos dourados e brilhantes me encararam. O nariz e o queixo eram compridos e pontiagudos, e a pele tinha tantas rugas e cicatrizes que não me contive e soltei um grito de horror, pensando que o Freddy Krueger em pessoa tivesse vindo me buscar.
Admito que este filme me impressionou quando o assisti aos oito anos de idade na sessão “Filmes da Madrugada” de um canal de TV. Mas não é exagero nenhum que aquela figura que se chocara com a viatura bem podia ser o monstro de lâminas nas garras que assombrava os pesadelos de Nancy.
Ao perceber o meu susto, os olhos do monstro se suavizaram e se encheram de lágrimas, e a pele – ou o que quer que envolvesse seu rosto – ruborizou.
David saiu da viatura com a arma em punho, pronto para prender a aberração.
_Seu idiota, o que pensa que está fazendo? – perguntou, ameaçando-o com a arma.
_Eu queria que você tivesse me atropelado! – gritou o deformado, com uma voz humana e comum.
_Ficou maluco? – gritou David de volta.
_Olha para mim, cara! Eu sou um monstro. As pessoas me olham e fogem assustadas, e os que não fogem, me olham com pena. Eu estou cansado disso! Faz um favor, mira na minha cabeça e acaba logo com o meu sofrimento...
David baixou a arma, compadecido do rapaz.
_Calma, vamos conversar – propôs.
_Não. Você vai fazer aquele discurso decorado sobre dar valor à vida, mas a vida para mim é um castigo. Eu quero morrer! Será que você pode me dar um tiro de misericórdia?
Totó e eu saímos da viatura para acompanhar a discussão mais de perto, e o rapaz escondeu o rosto com o capuz da jaqueta.
_Por favor, não se esconda – pedi com a voz mansa. – Eu não tenho medo de você.
Ao menos, não mais, acrescentei com o pensamento.
Mas ele continuou escondido atrás do capuz.
_Qual é o seu nome? – perguntei.
_Ernest... Ernie – respondeu cabisbaixo. – Mas todo mundo me chama de Espantalho, ou Assombração. Acho que não preciso explicar por quê.
_Ouça, Ernie, você não tem que se matar... – comecei.
_Ninguém quer ficar perto de mim – queixou-se o rapaz com tristeza. – As pessoas veem a minha feiura e acreditam que vou lhes fazer mal. É terrível continuar vivendo assim.
_Mas não precisa ser assim, Ernie. Seus amigos não...
_Eu não tenho amigos – interrompeu-me. – Eu não tenho família, não tenho ninguém! Meus pais me jogaram numa lixeira quando eu nasci, provavelmente porque não suportaram olhar para o meu rosto. Eu cresci na rua, jogado na sarjeta. Ninguém me estendia a mão nem para dar uma esmola. Eu só consigo falar com alguém quando estou usando uma máscara numa festa à fantasia. E quando as pessoas veem o meu rosto fogem gritando “MONSTRO! MONSTRO!”...
Senti um aperto no coração, profundamente compadecida do rapaz.
_Como se não bastasse, esses caras do estúdio querem que eu faça filmes de monstro – desabafou Ernie. – Foi legal por um tempo, poder comer uma comida decente, mas o resto do elenco fica perguntando como é o meu rosto e porque eu já chego maquiado... É frustrante!
_Eu sei que deve ser horrível – ponderei. – Mas suicídio é demais. Eu conheço pessoas que podem cuidar de você, e refazer o seu rosto.
_Você faria isso por mim? – Os olhos de Ernest brilharam esperançosos.
_Só se você prometer que não vai pular do carro em movimento – propus com um sorriso divertido.
Ernie deu um leve sorriso de dentes curtos e amarelos.
_Venha comigo – eu disse. – Você vai assistir ao meu show, e amanhã cedo eu vou te levar até um cirurgião plástico... Por minha conta!
Ernest entrou conosco na viatura e seguimos viagem, mas não fomos muito longe. O trânsito intenso nos bloqueou a alguns quarteirões da casa de shows, pouco antes de entrarmos na Avenida das Esmeraldas. Por causa da ameaça da assassina do Oeste – porque achei muito ridículo chamá-la de Bruxa como os outros – tive medo de ir andando pelo caminho que faltava.
Olhava no relógio o tempo todo.
_Vamos nos atrasar – murmurei.
_Você pode – disse Totó. – É a estrela!
_Dorothy Tornado nunca se atrasou para uma apresentação. Eu sempre chego na hora, num redemoinho de vento... Esqueceu?
Com muito esforço, David conseguiu estacionar a viatura junto ao meio-fio.
_Parece que não vamos conseguir passar daqui – disse. – Posso escoltá-los a pé.
Totó me lançou um olhar de incentivo, mas continuei receosa.
_Acho que podemos ir andando – disse Ernie. – Ninguém vai ter coragem de se aproximar para lhes fazer mal quando virem o Espantalho aqui.
David destravou as portas e tirou a chave da ignição. Não estávamos longe da casa de shows e David caminhou o tempo todo com a mão sobre a pistola que estava em seu coldre.
Poucos metros à frente nos deparamos com um homem vestido de moletom que recolhia latas de refrigerante e cerveja dos sacos de lixo em uma esquina, acompanhado por uma garota de shorts jeans rasgados, blusinha cinza e casaco preto. Ambos tinham um gorro na cabeça, e pareciam famintos. Ela era bonita e tinha um belo corpo de bailarina.
David tirou a arma do coldre e apontou para o casal quando eles se viraram e vieram na minha direção.
_Não acredito, Dorothy Tornado! – exclamou a garota. – Eu sou sua fã...
David se interpôs entre a desconhecida e eu, com a arma apontada para o casal.
_Quem são vocês? – perguntou o policial.
_Meu nome é Alexia, e esse é o Lat – disse a garota. – A gente não vai fazer nada não...
_Não precisa dessa arma – disse o rapaz que estava com Alexia.
_Que nome é esse, Lat? – indagou Totó desconfiado.
_É um apelido – disse o catador. – O pessoal da área me chama de Homem de Lata, ou Lat, como preferir. Eu não sei qual é o meu nome...
David bufou, incrédulo.
_Como você não sabe seu próprio nome?
_Sofri um acidente há quase um ano e perdi a memória.
_E seus documentos? – questionou David.
_Sei lá. Vai ver roubaram minha carteira.
_Isso é muito conveniente... Por que não foi à delegacia fazer um exame de digitais?
_Eu fui, mas me enxotaram de lá antes que eu abrisse a boca. Olha para mim, pareço um mendigo!
David decidiu dar um voto de confiança ao rapaz. Mas não baixou a arma.
_Faça o seguinte – disse –, vá até a delegacia e me espere lá. Quando eu chegar, verifico suas digitais e tento descobrir quem é você.
Enquanto o policial falava, Alexia começou a dançar a coreografia de uma das minhas músicas, e seu talento me deixou impressionada.
_Você dança muito bem – comentei.
_Sei todas as suas coreografias de cor – disse Alexia, orgulhosa por ter conquistado minha atenção.
_Sabe de uma coisa? Eu preciso de mais dançarinas no meu grupo – mencionei. – Se quiser fazer um teste, venha comigo até Oz que eu te indico ao meu coreógrafo.
A moça concordou animada.
Então Alexia e o Homem de Lata se juntaram a nós e seguimos caminho para a casa de shows.
A Avenida das Esmeraldas era ladeada por prédios verdes, e o antigo Teatro Oz ocupava todo o quarteirão. Havia uma multidão na porta, pela qual seria muito difícil passar.
_Melhor entrar pelos fundos – sugeriu Totó.
Demos a volta rapidamente, mas muitas pessoas fechavam o beco, de modo que não podíamos chegar à porta.
Ernie tirou a jaqueta e me entregou, para evitar que eu fosse reconhecida pelos meus fãs, sem se importar com o susto das pessoas que olhassem para o seu rosto medonho. Alexia, que ainda não tinha visto o rosto dele, pois estivera o tempo todo escondido debaixo do capuz, deu uma risadinha, acompanhada pelo Homem de Lata.
_Para quê essa máscara? – perguntou a garota.
_Não é máscara – disse Ernie acanhado. – É o meu rosto.
O Homem de Lata o fitou por um instante, analisando as cicatrizes no rosto dele.
_Parece uma queimadura – concluiu. – Quem fez isso com você?
_Não sei – admitiu Ernie. – Acho que nasci assim.
_Impossível...
_Gostei dos seus olhos – disse Alexia. – São lentes?
_Não.
_Parecem os da Melanie Morris, aquela atriz de cinema – comentou Alexia. – Têm o mesmo tom de dourado.
_Ao menos eu tenho algo de bonito – sibilou Ernie, mas seu olhar me dizia que estava comemorando por dentro. – Estou feliz que vocês não tenham medo de mim.
_Por que teríamos medo de você? – perguntou Alexia.
_Eu pareço um monstro – disse Ernie, como se ela tivesse feito uma pergunta extremamente idiota.
_Isso não é verdade – protestou Alexia. – Você tem um rosto diferente, concordo, mas isso não faz de você um monstro. Eu já conheci muitos monstros. Um deles destruiu a vida da minha irmã, obrigando-a a se drogar e receber um monte de homens nojentos para ele embolsar a grana. E quando ela já estava doente e fraca de tanto sofrer e ser espancada, ele a matou.
O mesmo horror se estampou nos rostos de todos nós.
_O monstro não é o que está por fora, na casca, meu amigo... – prosseguiu Alexia. –Monstro é o que se cria nas entranhas.
Como as palavras dela calassem fundo no coração de Ernie, ele deu um sorriso largo e simpático.
Já estávamos bem perto da entrada do beco, e a multidão parecia não ter fim. Vencemos no sufoco a aglomeração e nos esgueiramos até a porta, onde um rapaz com cabelo Black-Power queimado de sol forçava um grampo pela fechadura.
_Ei, rapaz! – gritou David, mas o rapaz estava com os fones do iPod no ouvido, e não percebeu que o chamavam.
_O que está fazendo? – insistiu o Homem de Lata, detendo-o pelos ombros.
O rapaz tirou rapidamente os fones de ouvido, esquivando-se na soleira.
_Qual é, cara? Eu só estou tentando entrar no show da Dorothy Tornado – disse o rapaz do Black-Power. – Se você ficar de vigia eu te ponho para dentro junto comigo...
David pigarreou com a mão na arma em seu coldre, e só então a presença do policial foi percebida pelo arrombador. Uma careta de medo se formou no rosto do rapaz e ele largou o grampo, erguendo as mãos sem reagir.
_Por favor, não me leve preso – implorou o rapaz com as pernas tremendo.
_Devia ter comprado um ingresso como todo mundo – disse o policial.
_Eu tentei, mas me disseram na bilheteria que estava esgotado – disse o rapaz. – E por mais estranho que pareça, não achei cambista nem para remédio...
O policial continuou a encará-lo duramente, ao que o rapaz ficou ainda mais amedrontado.
_Olha, eu não sou bandido não... – continuou o rapaz, com a voz trêmula. – Eu só estava tentando abrir a porta porque queria muito ver a Dorothy de perto.
Eu continuei encolhida sob o capuz, entre Totó e Ernie, sem saber o que fazer. O tempo estava passando e eu precisava entrar, mas passar por aquele rapaz sem ser reconhecida seria um verdadeiro esforço.
_A gente se conhece? – perguntou Alexia, estreitando os olhos, achando a figura do rapaz familiar.
_Eu sentava atrás de você no último ano da escola – respondeu ele, gaguejando de medo.
Ela estalou os dedos como que lembrando de repente.
_Claro, Doug Leão! – E deu um tapinha no braço do policial David, como se fossem amigos íntimos. – Esse aí é mais covarde que um rato preso na toca do gato! Não faz mal a uma mosca.
_Que seja! – exclamou David, sem afastar a mão do coldre, empurrando Leão para o lado para se chegar à porta.
_E-eu posso entrar com vocês? – arriscou Leão, a mandíbula tremendo e as pernas bambas.
David lhe lançou um olhar zangado. E ignorando-o, tentou forçar a maçaneta.
_Trancada – murmurou frustrado.
Não vendo outra saída, apontei o garoto do Black-Power para o policial com olhar sugestivo.
_Ok, garoto – disse David. – Se conseguir destrancar a porta eu finjo que não vi você entrar.
Mais que depressa, porém ainda com as mãos trêmulas, Leão recolheu o grampo do chão e voltou ao trabalho. Logo que a porta foi aberta, fui a primeira a me precipitar para dentro, seguida por Totó, Ernie, Alexia, Homem de Lata e Leão. O policial foi o último a entrar, cerrando a porta atrás de si.
Um segurança da casa de shows nos abordou antes que avançássemos daquela entrada, então eu tirei o capuz, para surpresa de Leão.
_Todos eles estão comigo – esclareci. – São meus amigos.
_Disseram que você chegaria de helicóptero... – questionou o segurança.
_Tivemos um problema – eu disse, somente.
Ele disse algumas palavras pelo rádio, e logo minha assessora, Penélope, vestida num terninho preto e botas de salto e bico fino, surgiu quase correndo no corredor, com uma expressão aflita.
_Graças a Deus, Dorothy! Eu estava preocupada – disse ela com a voz apressada. – Uma agente do FBI me ligou perguntando se você estava em segurança. Disse que tem uma assassina te perseguindo... Que história é essa?
_É uma longa história, Penélope... – esquivei-me. – Mais tarde eu te conto. Agora, será que a minha assessora querida pode arranjar ingressos VIP para os meus amigos?
_Claro que posso... – Penélope esbarrou os olhos em Ernie e levou um breve susto, mal terminando a frase. Em seguida analisou melhor o rosto dele, sem querer ser indelicada. – Você tem os olhos da Melanie Morris, sabia?
_Já me disseram isso – admitiu Ernie, dando um sorriso sem graça.
E se voltou para mim em seguida.
_Olha só, amiga, os organizadores contrataram um Mágico aqui mesmo de Los Angeles para abrir o seu show, em vez de uma banda iniciante. Parece que ele começou a carreira nesta casa de espetáculos quando ainda era um teatro; e até onde eu sei, o teatro foi fechado há 150 anos! Não entendi nada. Na certa é outra lenda como a que diz que você foi trazida por um tornado do Kansas até Hollywood... Sei lá, mas parece que o cara é bom. Estou com a sensação de que metade do pessoal que está aí fora veio para ver o Mágico de Oz; você é só um bônus...
Meu riso ecoou ao de Penélope. Às vezes eu tenho a sensação de que a minha amiga, com quem convivi desde criança no Kansas, nasceu sem ponto final, pois quase não precisa tomar fôlego entre as frases.
_Você ainda tem 30 minutos para se arrumar – completou Penélope, por fim.
_Certo – concordei.
_Vou arranjar um lugar para vocês – disse a assessora aos meus novos amigos e desapareceu no corredor com o mesmo passo apressado com que viera.
Fui para o camarim me preparar para o show, e meus amigos foram levados a um dos poucos camarotes que restaram da reforma do antigo Teatro Oz, para assistir ao show.
Como obviamente ninguém está interessado na minha escolha de figurino, e os acontecimentos do camarim antecipariam algumas surpresas na história, vou descrever os últimos momentos da apresentação do incrível Mágico de Oz, que não tive a oportunidade de assistir ao vivo, mas meus fãs maravilhosos postaram alguns vídeos na internet, e meus amigos me contaram tudo depois com riqueza de detalhes, inclusive o que sucedeu ao show do Mágico.
Todo o interior do prédio era iluminado por lâmpadas esverdeadas. No palco, no entanto, luzes verdes e brancas giravam o tempo todo ao redor da estrutura.
A apresentação do Mágico prendia a atenção da multidão. Quando meus amigos se colocaram no camarote, ele estava retirando espadas do estômago de sua jovem assistente Mona. Chegava a causar calafrios nos espectadores.
O grand finale ficou por conta de um truque inacreditável. O Mágico se sentou numa almofada no centro do palco. Usava um terno preto sobre um colete cinza bordado com um mosaico preto, e sobre a cabeça um turbante roxo com uma esmeralda de duas polegadas bem no centro. Os olhos pareciam de vidro e não possuíam pupilas nem íris. Ele cruzou os braços diante do corpo e fechou os olhos, concentrando-se. Foram quase cinquenta segundos de expectativa, então Mona apanhou uma espada e, com um só golpe da nuca para a garganta, separou a cabeça do Mágico de seu corpo.
Ele, porém, não se moveu.
O público já pensava que o truque havia terminado, quando de repente a cabeça do Mágico começou a levitar acima do corpo. E à medida que subia, a cabeça crescia, até atingir o tamanho de um balão. Então a cabeça, com o turbante, a esmeralda, e os grandes olhos brancos, agora abertos, explodiu, e da explosão se formou uma nuvem vermelha com o formato de uma grande fera com nove olhos, sendo o do meio maior do que todos os outros. Uma lança afiada saía da ponta de sua longa cauda. Ele possuía presas e garras enormes e pontiagudas e rugia alto como um trovão.
A multidão se apavorou por um instante, mas quando a fera abriu a boca e mergulhou com voracidade em direção à plateia, Mona cortou sua cabeça com a espada, e então a nuvem foi ao chão. E quando ela se dissipou, em pé no centro do palco, com os braços cruzados à frente do corpo, a cabeça intacta envolta no turbante, sem um arranhão na esmeralda, o Mágico encarou o público com uma expressão imponente.
Mas o show ainda não havia terminado. A assistente Mona abraçou-se aos ombros do Mágico, que a envolveu pela cintura, e começou a levitar com ela. O público não desviava nem por um instante os olhos do casal no centro do palco. Então eles começaram a girar, rápidos como um tornado, e desapareceram.
Um enorme falcão branco alçou voo desde o centro do palco e passou por cima do público, para fora do teatro.
A multidão aplaudiu calorosamente.
Então, o mais estranho aconteceu. Todos os seguranças visíveis ao redor do pavilhão apanharam os rádios comunicadores praticamente ao mesmo tempo. O palco estava silencioso. Havia uma coisa errada.
_O que está acontecendo? – indagou Ernie aos amigos.
Um segurança passou por trás do palco, e então um murmúrio circulou entre a multidão.
_Dorothy já devia estar no palco – sibilou Totó apreensivo. – Ela devia ter entrado no redemoinho do Mágico.
Os amigos olharam aflitos para o centro do palco vazio. Os músicos aguardavam o sinal para começar a tocar.
_O que isso significa? – perguntou o Homem de Lata.
Um calafrio percorreu a espinha de Totó com sua terrível conclusão.
_A Bruxa do Oeste!
E correu para o camarim, seguido pelos amigos. A porta estava trancada, e tudo lá dentro era o mais absoluto silêncio. O policial David tentava arrombar a fechadura.
_O que houve? – perguntou Totó aflito.
_A Bruxa do Oeste prendeu Dorothy no camarim e abriu o gás! – respondeu David, atropelando as palavras, enquanto lutava com a fechadura. – Se eu não conseguir abrir logo a porta, ela morrerá asfixiada.
_Por que não estoura a fechadura com um tiro? – apressou o Homem de Lata agoniado.
_Porque ela pôs uma bomba do lado de dentro. Se eu atirar, ou fizer qualquer movimento brusco na porta, e ela estiver conectada ao detonador, pode explodir.
Frustrado com suas inúteis tentativas de arrombamento, ele olhou com esperança para Leão e perguntou:
_Ainda tem aquele grampo?
_O grampo que vá para o diabo! – gritou Totó, empurrando o policial para o lado, e jogando toda a força de seu corpo contra a porta três vezes, apesar dos alertas de David sobre a possibilidade de que a bomba fosse detonada com a pancada.
Quando a porta finalmente se abriu eles me viram desmaiada no chão. Totó me tomou nos braços e correu para fora. David avisou aos reforços que chegavam sobre o ataque da Bruxa do Oeste, enquanto meus amigos me levavam para fora do teatro.
Uma ambulância esperava na porta, e tão logo me trouxeram para fora, os paramédicos colocaram uma máscara de oxigênio sobre meu nariz e boca, antes mesmo de me deitarem na maca.
Recobrei os sentidos antes que me colocassem na ambulância, e uma agente do FBI estava ao meu lado.
_Quem é você? – perguntei, ainda entorpecida pelo gás, minha voz abafada pela máscara de oxigênio.
_Sou a Fada do Sul – respondeu a policial. – Eu sei que é difícil dizer qualquer coisa agora, mas eu preciso que faça um esforço e me diga do que você se lembra?
Respirei fundo atrás da máscara e pisquei com força, organizando as palavras no pensamento.
_Eu tinha acabado de me vestir – comecei –, e quando olhei no espelho, ela estava em pé atrás de mim, com uma máscara de gás no rosto, e os vidros do camarim estavam fechados. Eu não vi por onde ela saiu porque ela me deu uma coronhada e eu desmaiei.
_A Bruxa do Oeste? – certificou-se a Fada do Sul.
_Acho que sim, pois ela disse que eu ia morrer porque matei a irmã dela.
De repente ouvimos uma gritaria no interior da casa de shows.
_Eu preciso me apresentar – lembrei, livrando-me da máscara de oxigênio e me erguendo da maca.
_De jeito nenhum! – protestou a Fada do Sul. – Você precisa ir para o hospital, respirou muito gás...
_Eu me sinto bem agora – insisti. – E não posso desapontar o meu público.
Os gritos soaram ainda mais alto. Parecia que a multidão assistia a um grande show. O rádio da Fada do Sul emitiu um apito.
_Você precisa ver isso – disse a voz de um policial pelo rádio.
_O que está acontecendo? – perguntou a Fada do Sul.
_Nós a pegamos – disse a Fada do Norte pelo rádio. – Ou melhor... O Mágico a pegou!
Então todos – inclusive eu, que me esquivei dos paramédicos – entramos na casa de shows. Pendurada acima do palco, presa num emaranhado de cordas e cabos de aço, a Bruxa do Oeste agitava-se para se libertar da fera vermelha, que na verdade não era tão grande quanto pareceu refletida na nuvem do truque do Mágico.
_Era uma vez uma Bruxa derrotada... – comemorei, de alma lavada.
_Ai meu Deus! – Uma mulher gritou da multidão, olhando em direção aos meus amigos; mais especificamente para Ernie, o Espantalho, que imediatamente ruborizou de vergonha.
Ao contrário do que pareceu à emissão do grito, a mulher não estava assustada. Cortou a multidão o mais rápido que pôde e foi até ele. Assim que se chegou, começou a apalpar o rosto dele e fitou ternamente os olhos dourados do rapaz, que tinham o tom exato dos seus.
Todos a reconhecemos imediatamente.
_Melanie Morris! – exclamaram o Homem de Lata e Alexia em coro.
Ernie ficou imóvel, fitando a mulher, que agora chorava, sem tirar os olhos dele.
_Eu te procurei por toda parte – disse Melanie. – Todos esses anos...
_O quê?... – ele começou a indagar, mas ela o interrompeu.
_Você é meu filho, Ernest – revelou Melanie, sem hesitação.
Várias perguntas passaram pela mente do rapaz, mas ele não conseguiu pronunciar nenhuma delas, apenas se deixou ser envolvido pelo abraço de sua mãe.
_Mas a senhora nunca me quis – sibilou ele, confuso com a atitude dela, muito diferente de tudo o que ele havia imaginado.
_Por favor, não diga isso, querido – implorou Melanie. – Eu sofri todos esses anos pelo que aconteceu. Você não se lembra porque era muito pequeno. Quando você nasceu era a criança mais linda deste mundo...
Ernie fez uma careta de descrença.
_Não é exagero de mãe – corrigiu Melanie, como se visse os pensamentos através dos olhos do filho. – Você era lindo de verdade. Tinha uma doce pele de pêssego e os meus olhos dourados... Mas um dia, enquanto eu negociava meu próximo filme com o diretor, você foi levado do carrinho.
Melanie fez uma breve pausa para tomar fôlego e enxugar as lágrimas.
_Eu fiquei desesperada – prosseguiu. – Foram muitos dias esperando pelo contato dos sequestradores. Eu concordei em pagar o que eles me pediram para devolver você, mas quando eu fiz o pagamento no lugar combinado, eles ligaram e disseram que você estava morto. Eu sabia que era mentira... Eu sentia... A mãe sente o que acontece ao seu filho.
“A polícia prendeu um dos bandidos: uma mulher, no mesmo dia – prosseguiu Melanie –, e ela confessou que eles tinham jogado você numa lixeira porque pensaram que você tinha morrido quando caiu uma panela de água fervente no seu rosto. Eu fiquei horrorizada! Ela disse que foi um acidente, que eles pretendiam devolver você quando eu pagasse o resgate...
“Eu sofri todos esses anos por não saber direito o que havia lhe acontecido. Ela disse onde tinham te jogado, mas quando cheguei com a polícia, você não estava lá. Eu pensei que tinha te perdido para sempre...”.
Ernie chorava de emoção à medida que ela contava sua história, chorando também.
_Essas cicatrizes no seu rosto comprovam que você é o meu filho, a criança que teve o rosto queimado – continuou Melanie. – Mas não se preocupe. Eu vou te levar aos melhores médicos e cirurgiões plásticos do mundo, e eles vão conseguir remover estas marcas.
_Melanie... – chamou uma mulher atrás da atriz.
Ela se afastou um pouco, ainda segurando a mão do filho.
_Esta é sua tia Tamara, minha irmã. Ela é cirurgiã.
Tamara se aproximou e examinou superficialmente as cicatrizes no rosto de Ernest, sem se abalar com sua figura.
_A boa notícia é que eu posso remover estas cicatrizes – disse com um sorriso doce. – A má é que depois disso você não vai aguentar o assédio das garotas, porque Brad Pitt vai ter inveja da sua beleza!
Ernie deu um risinho emocionado, os olhos cheios de lágrimas.
_Que bom que tudo se resolveu no final – sibilei, quase chorando também. – E você, Alexia, venha para o palco comigo. Esse gás me deixou tonta, então você vai dançar no meu lugar, enquanto eu canto.
_Não senhora – deteve-me Totó. – Você precisa ser examinada por um médico.
_Estou bem – garanti. E me voltei para Alexia. – Você vem comigo.
A garota abraçou brevemente o Homem de Lata, empolgada, mas ele parecia distante.
_O que você tem? – perguntou.
_Eu me lembrei... – murmurou ele, ainda com o pensamento distante. – Eu já estive aqui antes.
Todos nos detivemos para ouvi-lo.
_Eu era assistente do Mágico, junto com a minha irmã, Mona. Um dia nós nos apresentamos num circo em Sacramento, e quando eu desmontava tudo para irmos embora, caí de uma altura de mais de quinze metros, em cima de um trailer do circo. Acho que só deram por mim horas ou dias depois, mas já estávamos muito longe. Minha irmã e o Mágico não tinham seguido viagem com eles. O pessoal do circo somente me deixou em um hospital em Los Angeles e seguiu para o Texas.
_Você é irmão da assistente do Mágico? – espantou-se Alexia, animada.
_E filho do Mágico! – completou o Homem de Lata.
_Que bacana! – exclamou a namorada. – E você lembrou seu nome?
_Ramón – comemorou ele, assentindo com um sorriso.
_Ramón! – Alexia o abraçou empolgada.
_Por onde eles foram? – perguntou Ramón, olhando para todos os lados, procurando na multidão.
_Você está bem? – perguntou-me Penélope, chegando-se ao grupo, atrasada demais para ter ouvido as novidades.
_Estou sim – comecei a dizer.
_Você viu para onde o Mágico foi? – perguntou o Homem de Lata, abordando Penélope, eufórico.
_Está desmontando o truque para que o FBI possa levar a Bruxa do Oeste para a prisão – respondeu a assessora.
_Obrigado – ele deu um beijo na bochecha de Penélope e gritou para Alexia enquanto cortava a multidão para ir encontrar sua família: – Te encontro mais tarde!
Totó segurou meu braço e disse:
_Acho melhor você ir para o hospital.
_É sério, estou bem – garanti.
_Ele tem razão, Dorothy – insistiu Penélope. – Vamos adiar o show para amanhã. Todo mundo vai entender. Você ficou presa numa câmara de gás, correndo o risco de voar pelos ares...
_Como assim, voar pelos ares?... – indaguei, realmente surpresa. – Do que você está falando?
_Da bomba que aquela Bruxa colocou no seu camarim.
_Nós já averiguamos isso – disse a Fada do Sul, que passara os últimos minutos falando com a Fada do Norte pelo rádio. – A bomba foi um blefe para não abrirem a porta imediatamente. Fizeram bem em arrombá-la.
Lancei um sorriso agradecido para Totó.
_Agora, será que a senhora pode colocar um pouco de juízo na cabeça desta teimosinha? – disse Totó à agente do FBI, me abraçando de lado. – Ela insiste em fazer o show, mesmo depois de respirar todo aquele gás...
_Não – disse a Fada do Sul. – É melhor você ir para o hospital, fazer alguns exames, repousar... Seus fãs podem esperar até amanhã.
Depois de muita insistência, finalmente concordei em adiar o show. E quando me apresentei no dia seguinte, todos os meus amigos estavam lá. Alexia dançou como se já fizesse parte do grupo há muito tempo. Ernie, o Espantalho viu o show do camarote, acompanhado de Melanie, sua mãe, e Tamara, a cirurgiã que iria operá-lo em poucos dias. Ramón, o Homem de Lata, também estava no camarote, ao lado de Mona, sua irmã, seu pai o Mágico de Oz, e Doug Leão.
O show de Dorothy Tornado no Teatro Oz foi o evento mais comentado da semana. Os críticos diziam que aquele foi o verdadeiro show de mágica, com direito a captura de uma Bruxa por duas Fadas bondosas. Algumas pessoas até disseram que, ao fim do show, um tornado veio e me levou de volta para Nova York. Mas é lógico que não se pode acreditar em tudo o que dizem. Afinal, isso é o show business!
Fim

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