Como Matar Um Imortal

em quinta-feira, 28 de março de 2013



É interessante observar que em todas as histórias o conceito de imortalidade resiste até a linha dois da página um. Fulano é imortal, no entanto, há pelo menos uma forma de matá-lo. Aparentemente, o ser humano não consegue admitir, embora deseje, que a eternidade não tem fim, e que a palavra imortal significa que não se pode morrer ou matar. Ou, se me permite usar de uma licença poética: a fantasia simplesmente não consegue abandonar algumas bases de realidade.

Aqui eu cito apenas seis dos inúmeros “imortais” da ficção:



Um dos mais antigos de todos é Aquiles, personagem principal do poema épico Ilíada, de Homero. Embora não haja referências nesta obra quanto à invulnerabilidade, ou mesmo a imortalidade do personagem, em lendas posteriores, conta-se que sua mãe, Tétis, para torná-lo imortal, logo depois de nascer o mergulhou no rio Estige. Porém, Aquiles permaneceu vulnerável na parte do corpo pela qual a mãe o segurara ao mergulhá-lo: seu calcanhar (creio que todo mundo já ouviu a expressão “calcanhar de Aquiles”, que simboliza a fraqueza de uma pessoa). Assim sendo, o herói foi morto por uma flecha envenenada que o atingiu precisamente no calcanhar.
 
  Os imortais que possuem a mais ampla lista de vulnerabilidades são os vampiros. Em cada versão há pelo menos uma forma de exterminá-los, das quais cito: cravar estacas de madeira no coração; expô-los à luz do sol para que se queimem e virem cinzas; desmembrá-los e queimar os pedaços, entre outras.


Dorian Gray, protagonista da célebre obra de Oscar Wilde O Retrato de Dorian Gray, era um jovem belo e inteligente, que foi retratado numa pintura por seu admirador Basil Hallward. Maravilhado com o resultado da obra, e por perceber que naquele retrato ele estaria imortalizado em sua forma mais bela e jovem, imune à passagem do tempo e a qualquer tipo de ferimento ou moléstia, Dorian admitiu que daria até a alma para que o oposto acontecesse, e o retrato envelhecesse e sofresse todas as dores em seu lugar, enquanto ele próprio permanecia jovem e belo tal qual naquele dia, e completamente invulnerável. Seu desejo foi realizado, e por muito tempo, o retrato envelheceu e sofreu todos os danos a que seu corpo estava imune.

No entanto, certa noite, Dorian, sentindo-se culpado pelo assassinato do pintor que realizou o seu milagre, desejou destruir o retrato que lhe fazia lembrar de sua impiedade, e que agora estava manchado com o sangue que ele derramou do pintor. Então ele apunhalou o retrato, desavisado de que ao fazê-lo, ele próprio receberia o golpe, quebrando o encanto da pintura que voltou a mostrar o rosto jovem que fora pintado, livre de qualquer mancha, enquanto que seu corpo velho e decrépito jazia morto ao seu lado.

Um bruxo das trevas, cujo nome poucos se atreviam a pronunciar, descobriu uma maneira de dividir sua alma e escondê-la em qualquer objeto, de modo que se algo lhe acontecesse, as partes ocultas de sua alma permaneceriam vivas, e ele poderia retomar seu antigo corpo através de um ritual. Mas para tal magia das trevas, era necessário que ele cometesse assassinatos, pois era a única forma de dividir sua alma. Não contente em garantir sua imortalidade numa única Horcrux, ele criou sete!

Foi assim que Lord Voldemort fez um órfão famoso, que um dia acabou sendo sua ruína. A grande ironia, é que uma de suas Horcruxes era precisamente o menino que sobreviveu – diga-se de passagem, DUAS VEZES! E ele próprio acabou por destruí-la.

Quando todas as Horcruxes foram destruídas, Lord Voldemort ficou novamente vulnerável, sendo finalmente morto pelo menino que por dezessete anos abrigou um pedaço de sua alma.

 


Na Terra Média, o povo Elfo era imortal, porém, a imortalidade só existe enquanto os Elfos vivem juntos. Quando um Elfo escolhe viver com os homens, automaticamente perde o direito à imortalidade. Foi assim que Arwen Undómiel abriu mão de sua dádiva, para viver seu amor ao lado do humano Aragorn.

Davy Jones, um homem, apaixonado e traído pela ninfa do mar Calypso, arrancou o próprio coração para nunca mais sentir a mágoa do amor, e o trancou ainda pulsante num baú. A lenda, que na verdade não se sabe onde ou como surgiu, possui inúmeras versões. Esta, foi contada pela franquia Piratas do Caribe.

A imortalidade de Jones, nesta e em outras versões, resiste até que alguém encontre o baú onde seu coração está trancado. Aquele que perfurar o coração pulsante de Davy Jones não só o matará, como herdará, além do comando de seu navio, o temido Holandês Voador, a missão de levar as almas dos que morrem no mar ao outro lado. Descumprir a missão, rende como herança ao novo capitão também os tentáculos do monstro.



Como vê, a imortalidade nos livros e nos filmes é muito relativa; depende de uma série de circunstâncias e tem inúmeros “poréns” que são capazes de anulá-la.

Freud talvez dissesse a respeito disso que a ideia parte de um medo inconsciente natural: viver para sempre é uma bênção e uma maldição. Dá certa tranquilidade saber que nada pode lhe fazer mal, mas tortura saber que terá que assistir à morte de todos que o cercam.

Pensem no menino robô de Inteligência Artificial que ficou sozinho após a extinção dos humanos e compreenderão o fardo.

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